Entrevista: Fernando Meligeni


Publicado em: 30/7/2020

A carreira de tenista de Fernando Meligeni, 49, fala por si só. Atualmente, Fininho – apelido que o acompanha desde seus tempos de quadra – também chama a atenção pelas opiniões firmes, porém sinceras, sobre o momento atual e o futuro do esporte.

 

Nascido na Argentina, mas brasileiro de passaporte e coração, ele é considerado um dos dez maiores tenistas nacionais da Era Aberta. Em sua carreira, conquistou três títulos ATP em simples e outros sete em duplas, e chegou à 25ª posição do ranking mundial. Nos jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, chegou até a semifinal do torneio, tornando-se assim o brasileiro a ir mais longe na história da competição. Aposentou-se em 2003, após vencer a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, e teve uma carreira sólida como comentarista de tênis nos canais ESPN.

 

Hoje em dia, o sócio do AP aproveita seu tempo livre para curtir a família, promover clínicas de tênis, cuidar de seu novo projeto pessoal, o Proxperience, e curtir o Clube.

 

Conte-nos sobre o seu novo projeto, o Proxperience.

 

O Proxperience é meu filho do tênis. Trata-se do primeiro curso online da modalidade no país. Eu sempre fui um cara que procurou trazer informações para tenistas e não-tenistas dentro do meu dia a dia. Então, quis trazer dentro de um curso online tudo que eu entendo de tênis. Assim, estou fazendo uma extensão do aluno que vai jogar, por exemplo, com o Ricardo Leite no AP, ou seja aonde for, para que ele veja minha maneira de ver o tênis, para que ele leve isso para dentro da quadra, e depois tente fazer as coisas que eu falo lá dentro,

 

Além disso, o usuário tem oito horas por ano, divididas em quatro lives, comigo, onde debatemos sobre tênis, sobre o curso, estratégias, técnicas e táticas do esporte, etc.

 

Ainda estou no início do projeto, que foi lançado há mais ou menos um mês. Quem está fazendo está adorando. É mais uma dessas loucuras que eu tenho: três livros, um blog, etc.

 

Você trabalha bastante com jovens tenistas, inclusive em clínicas aqui no AP. Como é essa sua interação e preocupação com o futuro do tênis brasileiro?

 

Eu, quando moleque, não tinha essa proximidade com os grandes jogadores. Nós temos um expertise diferente daquele que tem o professor, e um ajuda o outro no processo de aprendizado do aluno. O professor tem muita vivência no dia a dia do tênis com os meninos, e o ex-jogador traz uma visão mais mental e estratégica, da coisa do jogo mesmo. Estar próximos deles significa também jogar na cabeça deles que é possível, sim, alcançar grandes voos com o tênis. “Pô, se o Fernando conseguiu, por que eu não vou conseguir?” Esse é um lado muito interessante.

 

É muito interessante juntar um monte de gente diferente na quadra, com ideias totalmente diferentes de tênis e você tentar ajudar a moldar essa dificuldade que é fazer esporte. Não é fácil ser tenista, não é fácil jogar bem, então, quanto mais informação você tiver, mais chances você tem.

 

Qual foi o momento mais feliz de sua carreira?

 

Difícil, hein? A felicidade dentro do esporte é a vitória. Quando você ganha qualquer tipo de jogo, você sai de quadra em êxtase. A final do Pan-Americano de 2003, então, foi extremamente feliz, mas, ao mesmo tempo, era meu último jogo, então tinha um gostinho maluco ali.

 

O momento mais incrível da minha carreira, porém, acho que foi a vitória contra o Sampras. É como vencer o Federer ou o Nadal hoje. É pensar “cara, estou ganhando do melhor jogador do mundo! Olha aonde eu cheguei”! É um momento ímpar em sua carreira. Eu era um menino em um clube, aprendendo a jogar tênis assim como o meu filho está aprendendo hoje em dia com o Ricardo no AP, e alguns anos depois estou vencendo o melhor jogador do mundo?

 

Esse é um momento muito mágico da carreira de um jogador: vencer alguém muito bom. Os títulos são legais, claro, mas uma vitória sobre um marco desse é muito legal.

 

Como foi a transição de sua vida profissional para a aposentadoria?

           

É difícil pra qualquer profissão. No caso do tênis, é diferente porque você se aposenta muito cedo. Então, de um dia pro outro, você deixa de fazer algo que você ama, algo que foi sua maior prioridade durante 15 anos de sua vida. Então, não é uma tarefa fácil e você tem que se preparar.

 

Eu acho que esse foi meu grande acerto: me preparar mentalmente, sabendo que esse dia iria chegar, e principalmente me preparando para transacionar para algo que eu gosto, como as clínicas de tênis, meu casamento e o nascimento dos meus filhos, é claro.

 

O que você mais sente saudades do tênis profissional?

 

Nada na vida vai ser igual ao que você viveu dentro de uma quadra de tênis. Mesmo meu casamento ou o nascimento dos meus filhos: são sentimentos totalmente diferentes. Talvez mais intensos e legais, melhores ou piores, mas são diferentes. A adrenalina de um jogo, da entrada na quadra de Roland Garros pra doze mil pessoas é uma sensação única que você nunca terá na vida.

 

Como é o convívio com o público hoje em dia?

 

É muito legal conhecer as pessoas que torciam por mim, que ficavam felizes e tristes com minhas vitórias e derrotas, e passar alguma dica daquilo tudo que vivi para elas. É gratificante.

 

Como foi trabalhar como comentarista?

 

É difícil. Eu demorei muito para aceitar esse papel, porque eu achava que era muito complicado. Eu sou uma pessoa muito crítica e que não fica em cima do muro. Eu meto o dedo na ferida mesmo! Então, tive que tomar muito cuidado.

 

Por já ter vivido isso, a gente sabe que não é fácil estar lá dentro. Tem dias ruins, tem dias que você não está nem feliz ou a fim de jogar, e é muito fácil ficar no ar-condicionado apenas dando pedrada.

 

Então, eu me preparei muito para descobrir que tipo de comentarista que eu queria ser. Eu queria ser um pouco diferente, um pouco mais irreverente, que é minha maneira de ser: com bastante alegria, mas ao mesmo tempo muito conteúdo.

 

E eu acho que, durante sete anos, eu e o Fernando Nardini (AP: narrador da ESPN que foi parceiro de Meligeni em transmissões ao vivo) conseguimos fazer uma grande dupla. Esse é outro ponto importante do comentário: ter um parceiro que faça daquilo um jogo de duplas. Jogar sozinho esse tipo de profissão não dá. Então, eu tive muita sorte da ESPN deixar eu ser eu mesmo e segundo de ter uma pessoa incrível ao meu lado, que me guiou e me ajudou muito.

 

Fui muito feliz enquanto fui comentarista, foi muito divertido. Já estou fora da TV há uns dois anos e não sei se voltarei, mas quem sabe um dia? Se não voltar, já vou ter vivido uma história muito legal que me deu muito prazer.

 

Quais são seus tenistas favoritos da atualidade?

 

As pessoas às vezes tentam decifrar quem eu gosto mais ou menos no esporte. A verdade é que eu não tenho um tenista de preferência. Se você me perguntar, eu acho incrível a maneira do Federer jogar, assim como acho a atitude, garra e raça do Nadal espetaculares. Também gosto da irreverência do Gaël Monfils, algo que eu acho que falta ao tênis. Então, eu aprecio aspectos de cada jogador, mas não sou fã de carteirinha de um ou outro. Eu na verdade me completo muito vendo vários jogadores.

 

Como você vê o momento do tênis brasileiro?

 

É difícil falar do tênis no Brasil sem tratar da questão macro do esporte no país. Sendo muito pontual e firme, o Brasil tem um grande problema com o esporte. Pessoas, governos, estados e prefeituras ainda não o veem como a grande plataforma social que ele é, importante para o desenvolvimento humano.

 

Quando você afunila a visão para dentro do tênis, vemos exatamente a mesma questão. Assim, enquanto essa gestão macro do esporte permanecer, continuaremos desta maneira: teremos bons jogadores de vez em quando, mas não sem uma fórmula, como em outros países, para podermos analisar o que dá certo e o que dá errado.

 

Do jeito que é o esporte no Brasil, vivemos do esporádico e, no tênis, não é diferente.

 

E como você vê o futuro do tênis nacional?

 

Sempre falo que o futuro do tênis ou de qualquer outro esporte no Brasil não é só colocado pelas vitórias ou por uma boa administração. Se o esporte no geral não anda, é difícil você fazer a diferença em uma modalidade só.

 

Exceto um pequeno período pré-Olímpiada, onde houve muito investimento e se falou muito sobre o assunto, o esporte é um segmento totalmente abandonado. Existem patrocínios, ações, vontades e jogadores que tentam fazer seu resultado, mas, pra mim, o futuro vai muito além de aparecer um novo Guga.

 

O Guga é uma grande prova disso: ele se tornou o nº 1 do mundo, fez estragos no circuito, mas o esporte em si não evoluiu e não mudou de patamar, pois não estava preparado com uma estrutura certa para ser um grande esporte no Brasil.

 

Isso não depende só do tênis. Também depende muito dessa pirâmide que é o esporte. Vemos o mesmo em outros âmbitos: cultura, educação, etc. Não adianta ter um bom colégio se você não tem uma boa educação no país. Ele vai ser bom durante um tempo, mas daqui a pouco ele vai ter problemas sérios. Isso acontece também com o tênis.

 

Como foi a sua quarentena e de sua família?

 

 Minha quarentena começou no dia 14 de março. Já estou em casa há mais de 100 dias, então já passou a ser uma centena. Eu devo ter saído de casa seis vezes no máximo, todas para ir ao mercado. O mesmo vale para minha esposa. Ou seja, respeitamos a quarentena em 110%.

 

Acreditamos que esse é um vírus muito perigoso. Além disso, como pessoas públicas, acreditamos que devemos dar o exemplo às pessoas e mostrar que precisávamos ficar em casa. Então, vimos muitos filmes e séries e brincamos muito com nossos filhos e com nosso cachorro. Eu também realizei várias lives, sempre respeitando a quarentena.

 

Quais foram seus aprendizados durante a pandemia?

 

O momento me fez refletir muito sobre minha profissão e minha família. Eu parei para pensar em o quanto estou trabalhando e estou usando do meu dia para várias coisas que às vezes estão no automático. Acabei aprendendo como gerenciar melhor meu dia e dar mais valor a tudo que temos e que fazemos em nossa rotina.

 

Quais são algumas das suas atividades favoritas no AP?

 

O AP é maravilhoso. Parece uma grande família. Estamos muito felizes com as pessoas, que nos tratam com muito carinho, e com os funcionários, que nos tratam com muita educação. Nossa vida é muito maluca, trabalhamos muito aos finais de semana, mas quando conseguimos usamos muito o AP para fazer ginástica na academia e somos muito fãs da comida e do clima do Restaurante. Gostamos também da piscina na época de verão e jogamos futebol com nossos filhos , que também curtem o AP Criança. Resumidamente, curtimos nossos momentos de lazer no Clube. Foi para isso que viramos sócios.

 

Na minha infância, eu fui um menino era deixado pelo meu pai no Clube depois da escola e ele voltava para me buscar só à noite. Estamos esperando nossos filhos crescerem um pouco para também fazermos o mesmo.

 

A gente ainda não usufruiu do AP como gostaríamos. Ainda não frequentamos, por exemplo as festas e o teatro. Mas, sem dúvidas, quando nossa vida ficar mais tranquila, curtiremos tudo com força total.